Proposta do Curso

                                             SÍNTESE DA PROPOSTA


1. De que Educação do Campo estamos falando?

A perspectiva de Educação do Campo que trata esta proposta, parte do reconhecimento da Educação como direito constitucional subjetivo e inalienável. Entendê-la como direito significa reconhecer cada indivíduo como sujeito de direito diferentemente do que tem vivido historicamente as populações do campo. A educação, assim, assume um caráter emancipador, inclusivo e universal consolidando-se como direito de todos, conforme consta no artigo 405 da Constituição Federal do Brasil.


A Educação do Campo nasce colada à garantia de direitos nas mais diversas esferas, sobretudo, ao acesso à terra e ao trabalho como condição de existência. No conjunto desse movimento a escola passa a ser requisitada também, como um direito fundamental e estratégia de luta no avanço dos direitos sociais e condição básica para a emancipação humana.


Caldart (2003) ressalta que a Educação do Campo também nasce como crítica “a uma educação pensada em si mesma ou em abstrato”, sem nexo com as questões que constituem a vida no campo, seus modos de produção de existência e suas lutas. Reforça ainda tal nascimento se deu tomando “posição no confronto de projetos de campo, lutando por direitos coletivos que dizem respeito à esfera do público, afirmando que não se trata de qualquer política pública (p.3,4).

Entende-se, portanto, que a Educação do Campo reivindicada pelos povos do campo envolve uma complexidade de questões para além da Escola. Neste Curso, ainda que tenhamos optado pelo foco no sistema escolar, é preciso que se ressalte que não se fará uma abordagem isolando a escola do contexto macro, já que a perspectiva de leitura dos fenômenos educativos que estamos propondo, sustenta-se numa abordagem histórico crítica, entendendo que a Educação se relaciona dialeticamente com a sociedade (SAVIANI, 2003) e neste caso, a educação escolar não pode se isentar de discutir as questões do seu tempo.


2. O cenário

A Educação do Campo vem ocupando a agenda pública de debates, sobretudo, após o lançamento do “Panorama da Educação do Campo” em 2006, pelo Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O Panorama explicitou a alarmante exclusão sob a qual vive o campo no Brasil, notadamente quanto às políticas educacionais. No conjunto de desafios presentes, foram apontadas como principais dificuldades em relação às escolas do campo questões como:


· Insuficiência e precariedade das instalações físicas da maioria das escolas;


· Dificuldades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da falta de um sistema adequado de transporte escolar;


· Baixo número de professores habilitados e concursados, o que provoca constante rotatividade e descontinuidade das experiências docentes;


· Falta de conhecimento especializado sobre políticas de educação básica para o meio rural, sobretudo quanto aos currículos, os quais se revelam descontextualizados, privilegiando uma visão urbanocêntrica e universalista;


· Ausência de acompanhamento, apoio pedagógico e formação continuada aos professores;


· Ausência de uma política específica de atendimento aos anos iniciais, prevalecendo o modelo multisseriado com educação de baixa qualidade;


· Ausência ou descontextualização das propostas pedagógicas das escolas;


· Baixo desempenho escolar dos alunos revelados pelas elevadas taxas de distorção idade-série e abandono escolar;


· Baixos salários e sobrecarga de trabalho dos professores;


· Alto número de escolas fechadas devido às políticas de nucleação das escolas (cerca de 30 mil entre os anos de 2000 a 2008);


· Ausência de calendário escolar adequado às necessidades do meio rural;

Segundo o INEP (2008), no Brasil apenas 28% das crianças de 0 a 5 anos eram atendidas na educação Infantil no campo. Em termos da matrícula no âmbito do Ensino Fundamental constatou-se que 75% dos estudantes encontravam-se matriculados em escolas que não dispunham de biblioteca; 98% em escolas que não possuíam laboratório de ciências; 92% em escolas sem acesso à internet; 90% em escolas que não possuíam laboratório de informática; e 23% das escolas sem energia elétrica.


O Panorama revelou que do total de 86.170 estabelecimentos de ensino fundamental no campo, 58% estavam organizados exclusivamente sob a forma multisseriada. As regiões Nordeste e Norte são as que possuem os maiores quantitativos de estabelecimentos e matriculas de classes multisseriadas (MEC/INEP) e a Bahia, é o Estado que concentra o maior número (58%), seguido do Pará.


As estatísticas nacionais tem mostrado que a média de anos de escolarização entre as pessoas de 15 anos no campo é de apenas 4 anos, frente a 7,3 anos para o meio urbano.


Considerando estes elementos, pode-se dizer que a Educação do Campo legalmente respaldada, requer um tratamento diferenciado e especifico. Tal tratamento, por sua vez, exige que os Territórios em seu conjunto de municípios, contem com profissionais qualificados para compreender a complexidade que envolve indicadores como os que estão sendo apontados, sendo capazes de atuar propositivamente na qualificação do processo ensino-aprendizagem nas Redes públicas.


A Educação do Campo compreende a educação básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida (ART.1º. RESOLUÇÃO Nº 02, CEB/CNE, 2008,).

Tendo esta definição como parâmetro, o Curso pretende investir em profissionais que atuam na educação do campo (em áreas de ensino, pesquisa e extensão) para que possam contribuir com a construção de uma escola do campo pautada na especificidade dos seus povos em conformidade com as pautas trazidas pelos movimentos sociais e as bases legais que hoje sustentam a política de Educação do Campo no Brasil e na Bahia.


3. Objetivos do Curso

Oportunizar formação continuada em Educação do Campo para o conjunto de professores, técnicos, gestores e educadores sociais que atuam nos sistemas públicos de ensino.

- Contribuir na qualificação da Política de Educação do Campo nos Territórios;


· Incentivar a produção de pesquisas na prática docente da Educação do Campo;


· Produzir conhecimento sobre Educação do Campo, qualificando professores, gestores, coordenadores pedagógicos e educadores sociais, a partir de um percurso pedagógico transdisciplinar que provoque o diálogo permanente entre teoria-prática, ensino e pesquisa.


· Oportunizar a articulação entre ensino-pesquisa e extensão por meio da investigação e análise crítica do contexto educacional, propondo soluções aos problemas investigados;


· Mobilizar diferentes profissionais para dialogarem com as questões da realidade do campo, ampliando as possibilidades de maior compreensão e intervenção dos sujeitos locais nos processos em que estão inseridos, fortalecendo seus laços identitários com o seu Território de origem.


4. Nossa forma de organização

O curso está organizado em regime de alternância, com etapas presenciais para permitir maiores condições de acesso de estudantes dos diferentes territórios desta região da Bahia, bem como a permanência e a relação prática-teórico-prática, vivenciada no próprio ambiente social e cultural dos estudantes.


A possibilidade desta organização respalda-se no artigo 28 da Lei nº 9.394/96 – LDB onde se estabeleceu o direito aos povos do campo a um sistema de ensino adequado à sua diversidade social, cultural e ambiental. Para isso, é preciso que se façam adequações quanto à organização, metodologias e currículos às “peculiaridades da vida rural e interesses dos alunos”. Corroborando com esta concepção, o Plano Estadual de Educação da Bahia, afirma que, (...) ao se reconhecer uma territorialidade própria para o campo, pensa-se numa educação com características e necessidades próprias, sem abrir mão de sua pluralidade como fonte de conhecimento em diversas áreas. É um direito e uma oportunidade que o Estado brasileiro deve assegurar a todas as pessoas que vivem e trabalham no espaço rural (LEI Nº 10.330 DE 15 DE SETEMBRO DE 2006).


Ainda como base legal pode ser citada o Decreto Presidencial 7.352/2010 no seu parágrafo 2º ao afirmar que, a formação de professores poderá ser feita concomitantemente à atuação profissional, de acordo com metodologias adequadas, inclusive a pedagogia da alternância, e sem prejuízo de outras que atendam às especificidades da educação do campo, e por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão.


O curso está organizado, portanto, em de dois Tempos Formativos: Tempo Universidade (fase

presencial) e Tempo Comunidade (investigação e atuação nos territórios de origem), totalizando 510 horas de trabalho pedagógico.


Tempo Universidade (300 horas) - fase para refletir propor, elaborar, aprofundar conhecimentos que ocorrerá em 3 etapas (semestres) de 90 horas cada, e uma de 30 horas, totalizando 4 etapas.


Tempo Comunidade (210 horas) - fase para observar, refletir, agir, levantar elementos novos, estabelecer relações, construir conexões com diferentes saberes e espaços educativos.


No Tempo Universidade os estudantes terão acesso a uma construção teórica sólida e bem formatada para que aprofundem o conhecimento sobre a Educação do Campo compreendendo-a desde o movimento constituído nacionalmente que envolve diversas organizações da sociedade, até a política pública instituída, a partir das Diretrizes de 2002, numa perspectiva de análise histórico-crítica de modo que:


a) Conheçam e discutam de forma aprofundada, o marco legal da política nacional de Educação do Campo;


b) Compreendam a realidade do campo a partir de uma visão transdisciplinar, dialética e multirreferencial;


c) Construam uma postura crítico-reflexiva-propositiva sobre os problemas concretos vivenciados nas escolas do campo;


d) Construam um conhecimento qualificado, capaz de mobilizar a discussão sobre educação do campo em seus territórios de origem;


e) Compreendam e superem as contradições entre teoria e prática;


f) Estabeleçam articulação entre o conhecimento científico e os saberes da prática social.

Os elementos estudados e aprofundados nesse tempo serão a base para as intervenções no Tempo Comunidade.


4. 1 Linhas de Investigação

A proposta da organização em alternância tem duas finalidades básicas:


a) Permitir uma estrutura de funcionamento em que se garanta maiores possibilidades de acesso e permanência dos estudantes no Curso.


b) Possibilitar que os estudantes tenham um campo de diálogo em nível prático, onde possam OBSERVAR e INTERVIR a partir de "linhas de investigação" focadas na educação pública do campo. O Curso foi pensado com linhas de investigação que visam direcionar as produções do curso às questões que perpassam a Educação Básica no campo.


As linhas de investigação do Curso devem mobilizar problemáticas em torno das etapas e modalidades de ensino como a Educação Infantil; Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental; Ensino Médio e EJA. Os docentes do Curso farão opção pela linha de investigação que pretende subsidiar o trabalho de orientação, sendo que os orientadores não serão exclusivamente os que atuaram durante o Curso, podendo os estudantes fazer opção por orientadores da UNEB oriundos de outros Campus.


Propõe-se as seguintes linhas de investigação, seguidas de sub-áreas de discussão:


a) GESTÃO (Sub-áreas: Gestão de Políticas; Gestão Escolar; Conselhos Escolares e Municipais; Infraestrutura física e de transporte escolar; Alimentação Escolar);


b) FORMAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DOCENTE (Sub-áreas: Formação Inicial; Formação Continuada; Acompanhamento e orientação pedagógica escolar;)


c) ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO (Sub-áreas: Currículo; Avaliação; Material didático-pedagógico; calendário escolar; espaço-tempo de aprendizagem; metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem; Inclusão escolar;)


d) RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (Sub-áreas: Participação da Família; Escola-Trabalho; Escola e Movimentos Sociais; Escola e Cultura local; Escola e Diversidade;)


6. Estrutura e organização Curricular
Os componentes curriculares do Curso estão organizados em torno de um Sistema de três Complexos. Cada sistema constitui-se de um conjunto de fenômenos socioculturais que são responsáveis por indicar os conteúdos básicos a serem explorados pelos componentes curriculares.


Cada componente dialoga com os fenômenos sociais que compreendem os Sistemas de modo que sua abordagem ocorra em função de ampliar o conhecimento sobre o Complexo (e não apenas ao fenômeno) construindo uma visão de totalidade em torno do conjunto de fenômenos que o compõem, sempre numa perspectiva inter e transdisciplinar.


A organização do currículo em Sistema de Complexos permitirá evidenciar as contradições em torno da Sociedade, da Educação, da Gestão de políticas públicas e dos Indicadores socioeducacionais do Campo com fim de compreender suas inter-relações numa perspectiva dialética para alcançar o conhecimento da realidade de forma crítica, e assim contribuir para a sua transformação (TAFFAREL, JÚNIOR E ESCOBAR, 2010, p.18).


O Currículo por Complexos busca superar a dicotomia entre teoria e prática, romper com o caráter linear em sua organização, buscando outras formas de construção do conhecimento por via de um processo mais dinâmico.


Neste sentido, não se buscará apenas articular os conteúdos dentro de cada Complexo, mas, articular os conhecimentos entre os Complexos, numa perspectiva de totalidade e transcendência para que o conhecimento se consolide em rede, em tessituras de relações complexas, fazendo abordagens problematizadoras de saberes contextualizados geo-historicamente que despertem o debate e confronto em sala de aula e incidam diretamente no olhar sobre a realidade em sua complexidade. O estudo de complexos só tem sentido na medida em que eles representam uma série de elos numa corrente, conduzindo à compreensão da realidade atual (PISTRAK, 2000, p. 14).


O Currículo por Complexos pretende permitir que os estudantes se apropriem de conhecimentos relevantes para a interpretação da realidade social.


Como bem ressalta Taffarel (2003, p. 5), “o estudo pelo sistema de complexo só é produtivo se estiver vinculado ao trabalho real dos estudantes e à auto-organização na atividade social prática interna e externa à escola, ou ao curso”.


A organização do currículo em Complexos baseia-se na experiência de Moyseis Pistrak responsável por uma reorientação pedagógica no período inicial do regime socialista soviético. Pistrak propôs transformar a pedagogia colocando-a a serviço da revolução socialista em curso na sua época, defendendo não apenas a necessidade de um conteúdo revolucionário diferenciado para formar um novo sujeito social, mas uma nova pedagogia, sendo indispensável, inclusive, questionar a própria instituição escola segundo o qual, o conteúdo também se encontra, implicitamente, na sua estrutura. Ou seja, questionar não apenas o que se ensina por via das disciplinas, mas também como a escola organiza suas práticas diárias, o lugar ocupado pelos professores, alunos e comunidade em seu projeto, de modo que a escola seja em seu conjunto, coerente com os objetivos de formar para emancipação humana.


Destas constatações nasceu a experiência vivenciada por Pistrak com a Escola do Trabalho. Organizada a partir dos pressupostos da teoria marxista, tinha entre seus objetivos, propiciar o conhecimento do real e educar para a auto-organização, articulando pesquisa e trabalho escolar, visando à formação do ser humano integral, autônomo, capaz de construir conhecimento sem perder de vista a compreensão do seu papel na luta de classe.


Segundo Taffarel (2003), Pistrak propunha a organização do trabalho pedagógico

através de um sistema que garante uma compreensão da realidade atual de acordo com o método dialético pelo qual se estudariam os fenômenos ou temas articulados entre si e com nexos com a realidade mais geral, numa interdependência transformadora. O complexo, segundo Pistrak, deveria estar embasado no plano social, permitindo aos estudantes, além da percepção crítica real, uma intervenção ativa na sociedade, com seus problemas, interesses, objetivos e ideais (p.2).

Buscando ser coerente com as questões aqui expostas, estruturou-se a matriz curricular para o Curso em três Complexos, situando a problemática que os envolve buscando, dessa forma, orientar a organização dos conteúdos em cada disciplina, assegurando, sobretudo, uma perspectiva crítica, contextualizada, orgânica e transdisciplinar.


O que caracteriza o trabalho por complexo temático é a relação sujeito-objeto-realidade trabalhando-se com a percepção e compreensão dessa realidade, estabelecendo-se relações entre fazer e pensar, agir e refletir, teoria e prática, compreendendo a realidade enquanto uma totalidade, com radicalidade e de conjunto (TAFFAREL, 2003, p.10).


A organização curricular aqui proposta, pretende desfazer a lógica “bancária”, “burocrática” ainda instalada nas instituições de ensino, visando à totalidade do “conhecimento cada dia mais fragmentado, estabelecendo relações significativas” (TAFFAREL, 2003) entre as questões presentes na realidade local (os territórios e seus municípios) e contexto mais amplo, por via de um aprofundamento teórico sólido, consistente, articulado e provocativo.


O trabalho pedagógico organizado a partir dos complexos provoca o olhar particular de cada área do conhecimento ao foco buscando explicitar relações entre os conhecimentos que serão trabalhados, permitindo que complexos sucessivos ampliem e aprofundem os conhecimentos trabalhados em uma perspectiva espiralada onde ocorrem as constatações, sistematizações, generalizações, explicações cientificas, experimentações, ampliação, aprofundamento e a transformação do real pela ação coletiva (TAFFAREL, 2003, p.10).

Para que esta articulação seja possível, faz-se exigência um sólido trabalho coletivo em torno do Curso, de modo que seu funcionamento reflita seus princípios e que sua organização traduza coerentemente a busca pela consolidação de seus objetivos.


Nesta tentativa, é importante compreender que no Tempo Comunidade - os fenômenos observados, as experiências advindas dos estudantes, suas aproximações e inserções na realidade local, serão os elementos “mediadores” no processo de construção do conhecimento. Nesta concepção, estudantes e professores se debruçam sobre os fenômenos sociais para com eles dialogarem e apreenderem novas questões a partir de um aprofundamento teórico rigoroso, que possibilite as condições para o desenvolvimento de uma atitude reflexiva, comprometida com a ação.


Parte-se do pressuposto que os territórios são espaços educativos marcados por uma complexidade de fenômenos que se cruzam dinamicamente. Tendo isto como premissa, o diálogo com estes ambientes é princípio para a pesquisa – aqui entendida como “atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade (MINAYO,1994).

6.1 COMPOSIÇÃO DOS COMPLEXOS 


COMPLEXO 1: EDUCAÇÃO, SOCIEDADE,TRABALHO

Problemática: As relações de Trabalho se modificaram ao longo da história, sobretudo, a partir do advento da sociedade privada. O trabalho deixa de ser produção das necessidades humanas para ser produção de demandas para o consumo, acentuando crescentemente, os processos de desigualdade, fragmentação e alienação que impactam em todos os setores da vida, inclusive na Educação destinada aos povos do campo. Nas áreas rurais, em todo o país, acentuam-se os conflitos sociais, sobretudo, pela concentração da posse da terra e fortalecimento dos latifundiários. Como o campo é afetado nesse contexto? Qual o papel da Educação, da escola, da sociedade? 

 
COMPLEXO 2: EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E ESCOLA

Problemática: As políticas educacionais brasileiras têm sido historicamente construídas deixando às margens as questões que deflagram e descortinam a vida no campo e as lutas e os embates dela oriundos. As políticas educacionais destinadas ao campo trazem a marca da descontinuidade e descontextualização. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, bem como as resoluções e decretos posteriores, apontam um avanço no campo das Políticas Públicas Educacionais. Contudo, as estatísticas oficiais e as situações encontradas nas escolas públicas por todo o país, apontam que a consolidação dos seus princípios e metas ainda é um grande desafio. Como instrumentalizar uma educação que dê conta de responder as demandas dos sujeitos sociais do campo, assumindo-se os conflitos necessários do encontro do Estado institucionalizador com o coletivo social tenso, dinâmico, conflitante e emancipatório que materializa e impulsiona uma educação do campo? Como consolidar os preceitos legais existentes de modo que a Escola do Campo seja espaço de direitos e emancipação humana?


· COMPLEXO 3: ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO


A organização do trabalho pedagógico da educação do campo se justifica por uma teoria que a orienta. Se no universo do campo se encontram interesses históricos objetivos, o trabalho pedagógico há de ser pensado e organizado com vistas a atender estes interesses, e a permitir o desenvolvimento das forças produtivas materiais e imateriais. Compreendendo que a Educação “se relaciona dialeticamente com a sociedade”, a Escola e sua organização também se estruturam dentro desta lógica. A organização do trabalho pedagógico da escola do campo não pode se isentar de uma articulação direta com os demais espaços de formação humana presentes no Campo e para além dele. Sua construção envolve o reconhecimento das especificidades da organização do calendário escolar, reorientação do currículo, dos instrumentos, meios e fins da avaliação, revisão dos tempos e espaços de aprendizagem/formação, bem como das estratégias didático-pedagógicas para lidar com a diversidade humana presente nas escolas. Como organizar então o trabalho pedagógico a fim de garantir ao coletivo social do campo as reais condições de se apropriar dos meios materiais e intelectuais de que necessitam para sua emancipação? Como consolidar um projeto de escola que seja sustentado e sustentador de um projeto de sociedade na qual os sujeitos do campo estão inseridos e participem de sua construção? Como consolidar um projeto político-pedagógico da escola, enquanto materialização do trabalho coletivo?

7. Intencionalidades


7.1 A EMANCIPAÇÃO HUMANA COMO HORIZONTE

A perspectiva da emancipação que compõe esta proposta baseia-se nos encontro do pensamento de Marx e Freire quanto à ideia de que a educação pode servir enquanto instrumento de emancipação humana e práxis social. Nesse sentido a emancipação ocorre quando os sujeitos, conscientes de sua condição de oprimidos pelo sistema vigente, constroem formas de superar a opressão, ampliando o conhecimento sobre as bases concretas que a sustentam a partir da construção de novas formas de vida social, baseadas em valores coletivos os quais obviamente se opõem aos capitalistas que tem na desigualdade sua essência. Para Marx nenhum tipo de ordem social pode afirmar sua insuperabilidade. Nessa mesm linha, Freire também afirma que o “o mundo não é, está sendo”. Ou seja, é possivel que os homens e mulheres de posse do conhecimento, construam materialmente as condições de uma nova ordem.


O desafio deste Curso, assim como resssalta Zitkoski, 2003, é que possamos construir uma prática pedagógica cujas bases filosófico-científicas contribuam na “orientação de um projeto emancipatório de sociedade”, onde o conhecimento seja construído no diálogo com as práticas sociais, evidenciando suas contradições, anunciando as possibilidades. Neste sentido, a emancipação na perspectiva de Freire é apropriar-se e experimentar o poder de pronunciar o mundo, a vivência da condição humana de ser protagonista de sua história, de apostar e concretizar outras realidades possíveis. A emancipação consiste desse modo, num cotidiano e histórico movimento de “vir a ser”, de “ser mais”. Nessa linha, converge com Marx que postula que o ser social é radicalmente histórico e radicalmente social. A práxis, é a articulação entre subjetividade e objetividade entre aquilo que se deseja, se pensa, se propõe e o que se faz concreto, possível, viável.


É com este entendimento que a categoria emancipação será problematizada pelos componentes curriculares do curso potencializando-a como princípio, estratégia e ao mesmo tempo horizonte no processo de formação.



7.2 A TRANSDICIPLINARIDADE COMO EXERCÍCIO POSSÍVEL


A proposta pedagógica deste curso se organiza tendo em vista a busca da garantia da construção do conhecimento com base numa visão de totalidade dos fenômenos educativos. O conjunto dos componentes curriculares deve concretizar uma dinâmica que possibilite uma formação omnilateral, comprometida com os interesses das populações do campo, permitindo o acesso ao conhecimento científico devidamente elaborado e articulado com as questões sociais em pauta. Nesse sentido, é esperado que o exercício do trabalho a partir dos Complexos Temáticos possa permitir avançar no diálogo com, entre e para além das diversas áreas dos conhecimentos garantindo uma perspectiva dialética para compreensão da realidade e social e natural.


A visão de totalidade do aluno se constrói à medida que ele faz uma síntese, no seu pensamento, da contribuição das diferentes ciências para explicação da realidade. Por esse motivo, nessa perspectiva curricular, nenhuma disciplina se legitima no currículo de forma isolada. É o tratamento articulado do conhecimento sistematizado nas diferentes áreas que permite ao aluno constatar, interpretar, compreender e explicar a realidade social complexa, formulando uma síntese no seu pensamento à medida que vai se apropriando do conhecimento científico universal sistematizado pelas diferentes ciências ou áreas do conhecimento. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 28).


A perspectiva de um currículo por esta lógica transdisciplinar implica, inclusive, no formato de pesquisa que está sendo proposto neste curso, considerando que a transdisciplinaridade se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de realidade ao mesmo tempo, transgredindo o paradigma da pesquisa baseada no currículo disciplinar, que segundo Nicolescu (1999), “na maioria dos casos, só diz respeito a fragmentos de um único e mesmo nível de realidade”.


A transdiciplinaridade reconhece que a realidade é multidimensional, dessa mesma forma o conhecimento não se produz isoladamente, ou unilateralmente ou linearmente. Na perspectiva transdisciplinar, o conhecimento se constrói no encontro dialético entre as realidades e suas dimensões.

O trabalho com Complexos nos leva ao exercício da transdisiplinaridade desde o fato de que a problemática que envolve cada um dos três complexos desta Proposta, ultrapassa as fronteiras epistemológicas de cada disciplina. Conforme a própria origem da palavra complexo que vem de “plexus”, entrelaçado, tecido em conjunto. Os fenômenos sociais para serem compreendidos na sua totalidade, exigem uma postura inter e transdisciplinar. Ou seja, a capacidade de olhar entre, através e além de uma mesma perspectiva ou abordagem, superando a lógica fragmentada do currículo e das práticas pedagógicas.


9. Avaliação

A avaliação da aprendizagem dos estudantes deve pautar-se nos aspectos qualitativos e quantitativos. São dimensões básicas:

a) crescimento da pessoa como ser humano, formação de seu caráter, valores, convivência solidária no coletivo, e participação no conjunto das atividades; b) domínio de conhecimentos gerais, desenvolvimento intelectual e desempenho nas práticas que integram o currículo; c) desenvolvimento das competências básicas identificadas como perfil profissional esperado em cada curso (UFBA, 2008, p.33).


No processo de avaliação serão observados os aspectos qualitativos da produção acadêmica, os quais serão traduzidos quantitativamente numa escala variável de 0 (zero) a 10 (dez). Serão considerados aprovados os alunos que obtiverem respectivamente a média mínima de 7,0 (sete), a frequência mínima de 75%, por disciplina conforme a Resolução 01/2007 do Conselho Nacional de Educação.

Como requisito para a conclusão do curso, além da aprovação nas disciplinas, será solicitada uma ação propositiva junto à Educação Básica do Campo, a qual será definida através de um projeto de intervenção de livre escolha do estudante, cujo tema deverá ser pertinente à linha de investigação. Para elaboração do Projeto, a disciplina básica para a sua construção será Fundamentos da Pesquisa em Educação (I, II e II). A coordenação irá disponibilizar os Professores Orientadores dos Projetos a partir das linhas de investigação. Todos os professores que ministrarão aulas poderão orientar os Projetos de intervenção.

A nota atribuída aos Projetos estará em uma escala de 0 a 10, sendo metade para o Projeto elaborado e metade para o relatório final do projeto executado.

A avaliação dos Relatórios de Execução dos Projetos de Intervenção será feita por uma comissão de avaliação composta por 03 (três) integrantes: Orientador do aluno (presidente); 2 (dois) membros que desenvolvem atividades em áreas afins ao trabalho final, indicados pelo orientador e ratificados pelo coordenador do curso.




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